01/06/2017

O golpe do PIB: IBGE altera critérios de pesquisa e transforma déficit em superávit


Depois de desempregar 2.6 milhões, Temer diz que acabou a recessão



Michel Temer celebra crescimento de 1% do PIB no primeiro trimestre, segundo o IBGE, e atribui o avanço a medidas do seu próprio governo; "Acabou a recessão! Isso é resultado das medidas que estamos tomando. O Brasil voltou a crescer. E com as reformas vai crescer mais ainda", postou no Twitter; retrato da catástrofe foi divulgado nesta quarta pelo IBGE: a taxa de desemprego ficou em 13,6% nos três meses até abril, 1 ponto percentual acima do trimestre anterior; no confronto com igual trimestre do ano passado, esta estimativa subiu 23,1%, um aumento de cerca de 2,6 milhões de pessoas desocupadas na força de trabalho


247 - Depois de prejudicar 2,6 milhões de brasileiros, que perderam seus empregos com o aprofundamento da crise econômica após o golpe parlamentar que tirou Dilma Rousseff do poder e levou Michel Temer à presidência, o peemedebista comemora o que chamou de "fim da recessão".
Ele celebrava o crescimento de 1% do PIB no primeiro trimestre, segundo o IBGE, para a qual atribuiu a adoção de medidas do seu próprio governo. "Acabou a recessão! Isso é resultado das medidas que estamos tomando. O Brasil voltou a crescer. E com as reformas vai crescer mais ainda", postou no Twitter.
retrato da catástrofe foi divulgado nesta quarta-feira 31 pelo IBGE: a taxa de desemprego no Brasil ficou em 13,6% nos três meses até abril, 1 ponto percentual acima do trimestre anterior.
A população desocupada, 14 milhões de pessoas, cresceu 8,7 % em relação ao observado entre novembro de 2016 e janeiro de 2017, 12,9 milhões de pessoas, um acréscimo de 1,1 milhão de pessoas não ocupadas na procura por trabalho.
No confronto com igual trimestre do ano passado, esta estimativa subiu 23,1%, um aumento de cerca de 2,6 milhões de pessoas desocupadas na força de trabalho.

Brasil 247





Entenda o "milagre"

Brasília - O novo presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Paulo Rabello de Castro, durante cerimônia de posse no Palácio do Planalto (Wilson Dias/Agência Brasil)
Em meio a polêmica mudança na avaliação de desempenho do comércio e serviços, servidores denunciam uso político do Instituto
Por Gilson Camargo
Na segunda semana de abril, o IBGE divulgou dados que mostraram uma forte revisão do desempenho do comércio e dos serviços em janeiro em duas sondagens, a Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) e Pesquisa Mensal de Serviços (PMS). O primeiro levantamento do IBGE, no início do mês, revelava indicadores negativos desses setores. Isso apontava para a incapacidade do governo de recuperar a economia, frustrando uma promessa ancorada no varejo, no setor terciário, na recomposição de estoques na indústria e na expectativa de recorde na colheita de grãos.
Para contornar a evidência negativa, o IBGE mudou os critérios e apresentou nova sondagem, desta vez, de crescimento. De uma queda de 0,7% nas vendas no varejo de janeiro na comparação com dezembro, o próprio IBGE apresentou um crescimento de 5,5% no comércio, o que representa uma revisão de 6,2% acima do dado original. Da mesma forma, o desempenho do setor de serviços foi revisto de 2,2% negativos para 0,2% positivos (2,4% acima da primeira projeção).
Em virtude disso, a prévia do PIB calculada pelo Banco Central, o IBC-Br, resultou em um crescimento de 1,31% em fevereiro sobre o mês anterior, embora não tenha ocorrido recuperação do crédito ou do emprego. Ao contrário, o crédito encolheu e o desemprego disparou. O desemprego ficou em 12,6% no trimestre fechado em janeiro, maior taxa da série histórica do IBGE iniciada em 2012. De novembro a janeiro, a população desocupada chegou a 12,9 milhões de pessoas. Em março, o comércio foi o setor da economia que mais fechou postos de trabalho, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho: 33.909 demitidos. O setor de serviços, segundo pior desempenho, fechou 17.086 postos de trabalho em março.
A mudança de critérios causou estranheza ao sugerir uma manobra para esconder a recessão. O gerente da Coordenação de Serviços e Comércio do IBGE, Pedro Quinstslr, explicou que o cálculo inicial do indicador considerava como base o ano de 2011 e, a partir de janeiro, esse critério passou a ser o ano de 2014. “O que nós fizemos foi um aprimoramento da metodologia. Foi feita uma atualização da amostra de informantes”, explicou. Em artigo publicado no dia 24 de abril na revista Carta Capital e divulgado pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE (ASSIBGE-SN), o economista e professor da Unicamp, Pedro Paulo Zahluth Bastos, descarta que tenha ocorrido manipulação. Segundo ele, “não há nada errado em mudar a metodologia para melhorá-la, e o órgão faz isto com frequência. O problema é a descontinuidade brusca da série estatística anterior e a baixa transparência com que a mudança vem sendo feita”, aponta.
O próprio sindicato dos servidores do IBGE, em manifesto divulgado no dia 20, logo após a divulgação dos novos indicadores, tratou de afastar a suspeita de fraude, mas não poupou os desmandos do novo presidente do IBGE, Paulo Rabello de Castro: “…a ASSIBGE-SN repudia qualquer ilação sobre ‘manipulação’ de dados e reafirma a seriedade e o compromisso do corpo técnico do IBGE. No entanto, alertamos que dúvidas sobre essas correções são levantadas, na medida em que a condução do Instituto está entregue a um Presidente mais preocupado em fazer propaganda do governo Temer do que em preservar a instituição”. Ao Extra Classe, Cássius de Brito, da direção colegiada do ASSIBGE, afirma que as metodológicas da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) e Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) já vinha sendo estudada. “Isso normalmente ocorre porque a realidade econômica muda com o tempo e algumas mudanças na amostra, cálculo de calibradores, modelos de dessazonalização precisam ser feitas. Mas para explicar a razão, só mesmo a equipe técnica responsável pela pesquisa ou a própria direção do IBGE”. Segundo o dirigente, a mudança tem impacto direto nos indicadores da economia, nos setores, mas não na inflação. O Sindicato, no entanto, acusa o economista Paulo Rabello de Castro, de atentar contra a autonomia do Instituto ao transformá-lo em palanque para defesa das reformas do governo federal – leia entrevista.
ENTREVISTA | Cássius de Brito
Servidores acusam uso político do IBGE
O Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE protocolou no dia 8 de maio uma representação junto ao Ministério Público Federal contra o que qualifica como “atos atentatórios à autonomia técnica dos dados estatísticos e geocientíficos oficiais”. O documento elenca uma série de fatos da administração do economista Paulo Rabelo de Castro que “ferem os objetivos do IBGE”, inclusive as mudanças preconizadas no Estatuto do Instituto sem consulta aos seus servidores, o que avalia como ameaça ao futuro da instituição. Indicado pelo presidente Michel Temer, Rabello de Castro, que é dono de uma empresa que vende projeções econômicas e faz análise de rating já manifestou a intenção de cobrar pela consulta de dados do IBGE e afirmou, por exemplo, que o órgão é um “lago de informações” e deveria funcionar como um “pesque-pague”. Na entrevista a seguir, Cássius de Brito, da direção colegiada do ASSIBGE, explica o que vem ocorrendo na gestão e manifesta o temor dos servidores quanto ao futuro do Instituto.
Por Gilson Camargo
Extra Classe – Como o Sindicato vê a formação do grupo de trabalho constituído para refazer o estatuto do IBGE? Quem compõe?
Cássius de Brito
 – O regimento vigente no IBGE prevê a composição de um Conselho Técnico, com participação de agentes externos à instituição e que tem a função de discutir o plano de trabalho do IBGE, seu orçamento e outras questões técnicas. Esse conselho tem caráter consultivo. A proposta do novo estatuto transforma esta instância em um Conselho Superior de Gestão e dá a ele um caráter deliberativo, ou seja, este conselho passa a ter poder de gestão e esvazia o conselho diretor do IBGE, que hoje dirige o órgão e é composto por servidores de carreira. Esse Conselho Superior de Gestão será composto por quatro indicados pelo governo, cinco representantes da sociedade civil e um ex-presidente do IBGE. Esses últimos seis nomes serão indicados pelo presidente do IBGE. Indagado sobre estas indicações, Rabello de Castro disse que os cinco membros da sociedade civil não serão “zé ninguém”, mas “pessoas do meio empresarial com relevância”. Depois, no encerramento de um evento com chefes de agências e unidades estaduais, voltou atrás dizendo que seriam “cientistas, de notório saber e não gente de mercado como andam falando”. Essa contradição deixa a questão sobre quem comporia esse conselho ainda mais nebulosa e preocupante. Nós não sabemos quem formulou o novo estatuto. Esta proposta circulou de modo muito restrito no interior do IBGE, poucos estavam sabendo disso e ele já estava no Ministério do Planejamento. Quando tomamos conhecimento da gravidade do que estava sendo proposto foi que tornamos público seu conteúdo. Não fosse esta nossa atitude, muita gente do IBGE não saberia o que estava acontecendo.
EC – Não houve diálogo?
Brito
 – O IBGE vem passando por um período de crise institucional há alguns anos e o Sindicato vem alertando a sociedade para isso. Qualquer mudança no IBGE deve passar por um debate amplo, aberto e democrático com o corpo técnico, com seus trabalhadores, que, afinal, sustentam o órgão. Por isso, defendemos a realização de um Congresso Institucional para debater o futuro do IBGE, um “IBGE que queremos”. Os governos passam. As gestões do IBGE também, mas, por mais breves que sejam, podem deixar estragos duradouros. É contra estas mudanças “por cima” e pela democratização do IBGE que lutamos.
EC – O que representa essa reforma estatutária?
Brito
 – O projeto do novo estatuto cria uma série de atribuições, dentre as quais “acompanhar o andamento de projetos do interesse do presidente do IBGE”, o que consideramos ferir o princípio da impessoalidade da administração pública. Outro objetivo do novo estatuto é criar mecanismos de liberar o IBGE para financiar suas atividades, via captação de recursos no setor privado. Nós consideramos que isso ataca diretamente a autonomia técnica do IBGE, porque concentra poder na figura do presidente e subordina toda a estrutura administrativa e técnica do órgão a um conselho composto por pessoas de fora do corpo técnico do IBGE. Isso afeta o caráter de Estado do IBGE, interfere na sua independência política e, portanto, é altamente prejudicial à credibilidade do instituto.
EC – Quais são as evidências?
Brito
 – As próprias ações de Rabello de Castro, que tem usado o status de Presidente do IBGE para defender publicamente as políticas de Temer, provocando um imenso constrangimento no interior da casa. Diferentemente do que diz Castro, os dados do IBGE não dão suporte a nenhuma contrarreforma de Temer, principalmente à da Previdência. Um único exemplo: é verdade que a expectativa de vida do brasileiro está aumentando (um indicador positivo), mas disso não deriva que a idade mínima para aposentadoria tem que ser aumentada para mais de 60 anos. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Mesmo porque as projeções do IBGE para a razão de dependência (relação entre população em idade ativa e em idade inativa) mostram que estamos no período de um “boom demográfico” (em que há mais pessoas ativas do que inativas), que deve durar até mais ou menos 2040. Então, quando o presidente do IBGE sai em defesa de um governo (qualquer governo) usando a credibilidade da instituição para dar uma “aura” de suposta fundamentação técnica a propostas tão impopulares, pode provocar suspeição às atividades do IBGE, o que é extremamente prejudicial.
EC – Quais são os encaminhamentos apontados na representação junto ao Ministério Público?
Brito
 – O Sindicato reivindica que qualquer alteração na estrutura e na legislação pertinente ao IBGE deve passar por um amplo debate no interior da casa. Defendemos a realização de um Congresso Institucional, a exemplo do que ocorre na Fiocruz e nas Universidades, com possibilidade de participação de todos os trabalhadores do IBGE, discutindo, propondo e deliberando sobre assuntos decisivos para o futuro da instituição.
EC – Por que a nomeação do economista Paulo Rabello de Castro ameaça a autonomia do Instituto?
Brito
 – Desde o início, a nomeação de Castro significou, para nós, um flagrante conflito de interesses, não por que ele seja economista, mas por ser sócio ou proprietário de empresas que lidam com dados do IBGE para vender projeções e consultorias a outras empresas. Consideramos que há possibilidades concretas de conflitos entre interesses públicos e privados. Desde que assumiu, Rabello age como um “cabo eleitoral” de Temer e tem feito uso político do cargo de presidente do IBGE para defender o governo. Isso é extremamente prejudicial ao IBGE, que deve manter independência política como condição para sua autonomia técnica. O responsável legal pelo órgão de estatística oficial não deve tomar partido. Isso está preconizado pela ONU e pelos princípios fundamentais das estatísticas oficiais da impessoalidade e da imparcialidade, dos quais o IBGE é signatário.
EC – O que significa o marco legal para “uso mais amplo das estatísticas e informações geocientíficas e ambientais”?
Brito
 – Rabello de Castro articulou a formação de uma frente parlamentar de estatística, geociências e meio ambiente (GEMA) no Congresso Nacional. O deputado que está à frente disso é Carlos Melles (DEM/MG), que deve quase R$ 1 milhão à União. Sob a justificativa de que esta frente teria como objetivo tocar projetos importantes ao IBGE, a gente avalia que, diante do atual contexto político de exceção, ela servirá para avalizar as alterações que Castro (junto com Temer) querem fazer no instituto. Desta forma, o “uso mais amplo das estatísticas e informações geocientíficas e ambientais” pode ter vários sentidos. Desde apenas uma política de comunicação voltada para enaltecer a política do governo, até a viabilização de tabulações ou mesmo estudos específicos para aqueles que quiserem pagar por isso. É o que Castro insinuou quando disse que queria transformar o IBGE de uma lagoa onde todos pescam em um pesque-pague.
EC – Qual a sua avaliação sobre a condução do Censo Agropecuário?
Brito
 – O Censo Agropecuário é uma operação importantíssima e é muito querida pelos ibgeanos. Assim como o Censo Demográfico, faz parte dos trabalhos que os servidores colocam todos os esforços para dar certo. Ele deveria ter periodicidade de cinco anos, mas desde os anos 1980 isso não vem sendo cumprido. O último foi em 2007, com referência a 2006. Os cortes orçamentários constantes no IBGE são responsáveis por esses adiamentos, assim como de outras pesquisas (como a Pesquisa de Orçamentos Familiares) e outras que foram até mesmo canceladas (como a Contagem da População). Para se legitimar no IBGE, internamente, Castro não poderia se apoiar apenas na indicação do presidente, nem na amizade com ele. Mesmo porque Temer é o presidente mais impopular da história da República. Então, diante das mudanças que ele pretende fazer, era preciso “oferecer” alguma coisa à casa. E a verba de pouco mais de R$ 505 milhões para o Censo tem esse sentido. Como esta verba é insuficiente para o plano original do Censo Agropecuário, eles fizeram uma série de cortes, tanto no questionário, como na estrutura de suporte à operação.
EC – O que significa a supressão de indicadores relativos do Censo?
Brito
 – Do ponto de vista do questionário, foram cortados mais de mil quesitos, diminuindo extremamente a capacidade de captação da diversidade do setor rural brasileiro. Os principais temas suprimidos dizem respeito a caracterizações qualificadoras da agricultura familiar, uso de agrotóxicos, manejo do solo, uso da água e irrigação, entre outros. Estes temas serão investigados, mas com uma ou outra pergunta. Haverá o registro da existência destas situações e outras, mas não será possível um conhecimento qualificado delas. E isso não é mero detalhe, pois as variáveis importantes para o agronegócio estão, na prática, preservadas. Internamente, há quem diga que este seja o último Censo Agropecuário e que ele será transformado em uma pesquisa amostral. O problema é que o pretendido último censo vai quebrar a série histórica e uma pesquisa amostral não divulga dados no nível dos municípios. São alterações importantes, com impactos estruturais de longo prazo e que estão sendo feitos no afogadilho, à toque de caixa.
Nota: A assessoria de imprensa do IBGE não retornou os pedidos de entrevista para rebater as acusações.
  • Fonte: extraclasse.org.br

Nenhum comentário: